terça-feira, 24 de maio de 2011

Medo que vire baderna?

Marina Seneda

Livro: O Sentido da Escola
Capítulo: Do Baú da Memória: Histórias de Professora - Regina Leite Garcia

______Não se pode ensinar as mesmas coisas na mesma hora para pessoas diferentes. Chamar a atenção das crianças para aprenderem determinado assunto é deixar de considerar aquilo que elas estão com vontade de saber. Alguns (eu mesma) se perguntariam: "Então é a criança que manda? Como o professor mantém o controle da sala? Não vira um caos considerar a vontade das crianças?".
______Mas a resposta para o aprendizado espontâneo começa no caos, na bagunça, na algazarra. É do caos que se abre a possibilidade para um aprender livre e criativo. O capítulo "Do Baú da Memória" do livro o Sentido da Escola me fez perder o medo da "baderna". Eu já desconfiava que uma algazarra bem aproveitada não era pra ser considerado um mal na escola. Mas ler sobre a prática de duas professoras me fez chegar mais perto da certeza. Creio, contudo, que só experenciarei a certeza da maravilha do caos quando estiver dentro de um, com muitas crianças interessadas em muitas coisas.
_____A primeira história do Baú de uma professora de terceira série mostrou como é possível de um único tema (Um jogo de Brasil x Marrocos na Copa do Mundo) trabalhar vários outros temas. A professora chegou na sala e se deparou com uma grande agitação de seus alunos quanto ao jogo do Brasil. Ao invés de tentar impor disciplina, a professora deixou rolar a conversa. Muitas dúvidas surgiam: que língua falam no Marrocos? Onde fica o Marrocos? Para que todas as dúvidas fossem aproveitadas e respondidas, a professora combinou que falariam um de cada vez, respeitando o amigo que estivesse falando. A partir de um mapa-mundi em uma só manhã discutiram coisas como pontos cardeais, onde ficava cada país, as bandeiras, porque falavam a língua que falavam, chegaram até a falar de colonização. Os alunos ficaram interessados em pesquisar mais sobre. O tempo da aula não foi suficiente para satisfazer as diversas curiosidades das crianças e acabou se tornando um projeto de semanas, com direito a desenhos, colagens, e escrita, muita escrita - como a professora colocou.
_____A segunda história mostra uma professora de educação infantil que a cada dia trazia para a sala de aula um sacolão cheio de coisas diferentes (livros, fantasias, qualquer coisa que os vizinhos da professora quisessem doar), o que sempre gerava, a partir da criatividade das crianças, temas para desenvolverem. Certo dia uma menina estava chorando porque sua mãe não permitia que ela levasse um cachorrinho. Algumas professoras, nesta ocasião, poderiam não ligar para o problema da menina, ou tentar consolá-la e deixar por isso mesmo (por ter assuntos "mais importantes" a trabalhar com a sala, cumprir o planejado...), ou mandá-la ir lavar o rosto e voltar para sala. A professora da menina não fez nenhuma dessas coisas. E, na minha opinião, não fez nenhuma "coisa de outro mundo", fez o óbvio, fez o que a vida pedia que fosse feito: levou o problema à turma, colocando o desafio de ajudar a menina. Ouvindo a opinião de cada um, chegaram à conclusão de conversar com a diretora. Nessa empreeitada aprenderam a argumentar, persuadir, assumir responsabilidades. A diretora pediu pra falarem com a mãe da menina. Disso tiveram a idéia de escreverem uma carta para a mãe da dona do cachorrinho. _____Estavam experenciando uma alfabetização espontânea, pela necessidade de se comunicar, usando a escrita, praticando-a. E o faziam com vontade: liam na lousa tudo o que a professora escrevia de suas falas, escreviam no caderno, faziam desenhos. Então foram fazer um envelope, com papel, cola e régua. E as próprias crianças, ao conhecerem o objeto régua ficaram com vontade de medir tudo o que viam. A régua era pequena, então precisavam somar as medidas para saber o total. Ou seja: estavam com vontade de "fazer exercício de matemática", sem serem isoladas da vida. Estavam com vontade de aprender para saber. No fim das contas foram conversar com a mãe da menina e o cachorro virou o mascote da turma. Fim da história? Não, criança sempre tem o que inventar, o que querer. Quiseram fazer uma casinha para o cachorro. Então entram em contato com medidas, altura, profundidade, largura, madeira, equilíbrio, cores, generosidade, cooperação, respeito, contato, tato... E tudo mais que "pedagogicamente" não se pode medir ou separar, pois se trata de um aprendizado na/para/com a vida.
_____Histórias assim me animam, me revigoram, me contam que a escola está cheia de vida, porque as crianças assim estão. As crianças querem. Ponto. E não querem nada pronto: querem aprontar, querem o criar e criam o querer. É como disse Freinet: "As crianças não querem liberdade. Elas querem trabalhar". Por isso o caos da criança não é (não poderia ser considerado) indisciplina, mas sim vontadeS. VontadeS que não cabem na divisão curricular de disciplinas, porque têm tudo a ver com a complexidade da vida. Este, para mim, para elas, e para quem ainda sabe vir-e-ver, é o Sentido da Escola.

2 comentários:

  1. Marina, gosto muito do seu jeito de escrever! Gostei muito da temática do seu texto, acredito que isso seja possível, mas também acho que esta prática gera muitos "estranhamentos" na equipe gestora, digo isso baseada nos meus estágios onde todas as atividades devem ser previamente preparadas e aprovadas pela coordenadora. Como será que ela reagiria diante de uma atividade criada pelos próprios alunos? Essa eu queria ver...

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  2. Oi Liza! Obrigada por ler e ter gostado!
    Entao... Aí é difícil... Só vivendo uma sitação dessas pra (não) saber! Talvez se a equipe gestora "ver o resultado", se a turma conseguir "provar" que aprendeu, se além disso a turma se der bem no saresp e a escola ganhar bônus... Ou se for uma direção desorganizada que não tá nem aí pro jeito do professor dar aula... Mas daí o ruim seria nao ter o apoio dessa equipe, o que é muito importante pros professores...

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